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Além de questões ecológicas, bairros planejados têm projeto urbanístico sólido e medição de índices como educação e renda Coleta seletiva ou áreas verdes são alguns dos primeiros itens que vêm à cabeça quando pensamos em loteamentos sustentáveis. Mas é preciso ir além disso. Ser sustentável demanda investir em um urbanismo moderno, conectado a demandas sociais do entorno, para que os projetos, segundo os especialistas, façam a diferença e escapem do greenwashing (termo que se refere a ações de roupagem ecológica, mas sem atitudes concretas ou sistêmicas). “Aspectos sociais e econômicos também precisam ser considerados”, avalia Sérgio Lessa, arquiteto e professor do Centro Universitário Belas Artes. Essa visão também é ratificada pelas metodologias dos grandes sistemas de certificação mundiais em sustentabilidade, que cobram a visão mais global. “É extremamente importante que as várias áreas sejam articuladas, para que se possa garantir que há preocupação ambiental na prática”, destaca Lessa.


Verde e azul

Um caminho importante, defende o urbanista, é contemplar todos os aspectos das chamadas infraestruturas verde e azul. No primeiro caso, há várias soluções possíveis. Entre elas, estão as biovaletas (canais que acumulam e escoam a água das chuvas, para aumentar as chances de reabsorção e reúso), além de lagoas e jardins que funcionam como estruturas de drenagem e de filtramento.

“E, na infraestrutura azul, todas as soluções envolvendo as águas precisam ser pensadas. Há sistemas naturais que fazem tratamento da água, para que ela possa tanto ser devolvida para o meio ambiente de forma a não gerar impacto, quanto ser reutilizada, em alguns casos”, diz Lessa.

A questão da vegetação, dentro de um loteamento realmente sustentável, também não se resume a um paisagismo agradável aos olhos. As áreas verdes precisam estar voltadas a promover regulação térmica, por exemplo. “Muitas vezes, esses elementos, como as paredes e os tetos verdes, são até colocados no projeto. Mas em um pedaço tão singelo que acaba não gerando benefício real nenhum”, aponta Lessa.

Por isso, as certificações mais reconhecidas em nível mundial, como a americana LEED (Leadership in Energy and Environmental Design) e a francesa ACQUA, têm uma extensa lista de requisitos – e que não são estritamente ambientais – para os projetos urbanísticos que queiram ganhar o selo internacional.

Na questão social, por exemplo, no caso da metodologia criada nos Estados Unidos, até os índices de educação, de renda e de emprego das pessoas que moram e convivem em determinado bairro devem ser checados. E metas de melhoria precisam ser implementadas, sob pena de o certificado deixar de ser renovado ou até mesmo emitido.

Um planejamento urbanístico integrado também conta. Ou seja: quando há participação das várias instâncias do poder público, da iniciativa privada e de especialistas das mais diversas áreas – como biólogos, urbanistas e engenheiros de transporte.

“Essas certificações, quando a gente vai compreendê-las de forma mais aprofundada, vão determinar se realmente existe uma preocupação legítima por parte dos projetistas em buscar a eficiência energética, em minimizar o desperdício dos recursos hídricos e, em última análise, melhorar a qualidade de vida das comunidades”, diz Lessa.

 

Selo de qualidade

Por mais que alguns loteamentos e bairros planejados já estejam certificados, esse é um modelo que cresce aos poucos no País. Aqui, eles receberam o reconhecimento da LEED só na fase de projeto e construção. Isso porque há a possibilidade de também certificar a operação do empreendimento – a partir da análise de dados reais por, no mínimo, 12 meses –, para ver se os preceitos sustentáveis estão sendo realmente sendo seguidos. ”No caso de edificações, sejam de prédios ou mesmo de casas, como criamos agora, é algo que está mais consolidado”, afirma Felipe Faria, CEO da GBC Brasil, entidade sem fins lucrativos que integra um movimento voltado à sustentabilidade presente em mais de 80 países.

No caso do certificado da LEED para bairros e loteamentos planejados – uma das certificações com que a GBC Brasil trabalha –, Faria relembra o escopo do projeto da Cidade dos Lagos, em Guarapuava, no Paraná. “Os incorporadores levaram uma parte da universidade federal para lá; eles construíram também um hospital público para a cidade, além de uma unidade hospitalar voltada para o tratamento do câncer e um centro de genoma. Tem também um shopping center enorme, para toda a região”, afirma o executivo. Segundo Faria, primeiro, houve a construção de um conjunto residencial. Em seguida, vieram os prédios comerciais e agora vão começar, também, as casas e os apartamentos de alto padrão. “A infraestrutura, como pista de cooper, vai estar disponível para todos os moradores do bairro, independentemente da renda. Tudo me chamou muito a atenção.”

O empreendimento paranaense deu ainda outro passo à frente, igualmente importante, segundo Faria. “Estão conseguindo influenciar, de certa forma, a municipalidade a elaborar uma nova lei para bairros inteligentes e planejados. Ou seja, é uma cultura a favor da sustentabilidade que é criada. Novos empreendimentos, por exemplo, já vão ter uma indicação de como poderão seguir os passos da Cidade dos Lagos”, explica o CEO.

 

Na Flórida, região inteira é certificada por boas práticas

Se no Brasil existem até agora loteamentos e bairros relativamente pequenos sendo certificados em nível mundial – e o certificado tem vários níveis –, lá fora, principalmente nos Estados Unidos, a realidade já aponta para outros patamares. Há cidades ou regiões inteiras em estados americanos que ganham o status de sustentáveis.

Um dos exemplos é o de Orange County, região da Flórida que engloba a cidade de Orlando, conhecida dos brasileiros pela proximidade com vários parques de diversão, como a Disney. Certificada em maio deste ano pela LEED, a região, de 1,4 milhões de habitantes, ganhou o certificado ouro ao somar 68 pontos em 110 possíveis.

A área de transportes – o que mostra como as preocupações urbanísticas têm o poder de afetar, para melhor, a qualidade de vida de muitas cidades – é uma das mais bem pontuadas. Entre outros motivos, por causa da conectividade entre os modais de transporte público, tanto para moradores quanto para visitantes. O aeroporto, a partir das principais estações de transporte público, pode ser alcançado em até 1h30, segundo autoridades locais. Além disso, no quesito automóveis elétricos, a região tem uma média de 3,44 estações de carregamento para cada 10 mil residentes, acima das exigências estabelecidas pela LEED.

Outra área super bem avaliada é a energética. A região da Flórida tem um plano robusto para ser carbono zero (isso é, a área absorver a mesma quantidade de gás carbônico que emite) até 2040. Os pilares da estratégia envolve o aumento do uso de energias renováveis, a redução do gasto energético em prédios públicos, o aumento do uso de transporte de massa em detrimento do individual, além de outras ações ecologicamente corretas.

”Os critérios da certificação nos ajudam a comparar nossos indicadores e performance com outras regiões ao redor do mundo; assim, podemos traçar nosso progresso em relação aos objetivos sustentáveis”, afirmou o prefeito da região da Flórida, Jerry Demings, na época da obtenção do certificado.

Tais objetivos, aliás, não apenas impactam positivamente o ambiente, mas também dão retorno financeiro, e já no curto prazo. Por exemplo: ainda que o investimento inicial possa ser maior, as edificações verdes reduzem, em média, 25% dos gastos com energia (podendo chegar até 60%) e diminuem de 40% a 60% as despesas com água.

 

No Brasil, iniciativas verdes ganham força

Se as certificações e os especialistas sabem muito bem que um loteamento ou um bairro sustentável dependem de uma visão integrada, com preocupações sociais, econômicas e ambientais, na prática, nem sempre é possível encontrar o cenário ideal. Por outro lado, cresce o número de iniciativas que perseguem esses objetivos, como observa o arquiteto Sérgio Lessa

“Em termos de bairros maiores, podemos citar, aqui no Brasil, o Parque da Cidade, em São Paulo, que tem até um shopping dentro do projeto. O forte dele é o foco em infraestrutura verde e em gestão de recursos hídricos, como economia de água. Toda a implantação está voltada para uma melhora da qualidade de vida das pessoas que vão morar ali”, explica.

O arquiteto também cita o caso de Pedra Branca, próximo a Florianópolis. A história do bairro planejado, uma antiga fazenda no município de Palhoça, teve início nos anos 1990. Hoje, conta com um total de 2,3 mil lotes, em cerca de 250 hectares, com apartamentos, escritórios, lojas, parques, praças e lagos. “Os espaços públicos são agradáveis e adequados, com áreas destinadas para feiras livres, por exemplo. Além de existirem pontos de comércio; esse uso misto é outra coisa muito importante.”

Diferentemente do projeto catarinense, que começou a ser elaborado há mais de 20 anos e está bem mais consolidado, o exemplo paulistano ainda está em construção. Ambos possuem a parte residencial baseada em edifício.

Já entre os bairros e condomínios certificados pela LEED no Brasil, além da Cidade dos Lagos, no Paraná, outros exemplos são: o Vivapark, em Porto Belo (SC), com 138 mil metros quadrados de área verde e projetado pelo escritório do famoso arquiteto Jaime Lerner; e o Bairro Camino, em Porto Alegre (RS), projeto que reúne residências, escritórios e restaurantes interligados por amplas calçadas, ciclofaixas e passarelas.

 

 

Via ESTADÃO

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