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Levantamento realizado pela consultoria Resultante com exclusividade para o Prática ESG mostra descompasso entre setores da economia brasileira na agenda de responsabilidade social, ambiental e corporativa

Estudo encomendado pelo Prática ESG à consultoria especializada em sustentabilidade Resultante mostra que nem todos os setores da economia brasileira estão caminhando no mesmo ritmo na jornada ESG (sigla em inglês para se referir a questões socioambientais e de governança corporativa). Ao analisar 150 aspectos das três dimensões, de 2019 a 2021, em 135 empresas de capital aberto, foi possível identificar que o setor de papel, celulose e madeira segue na liderança, com 78,9 pontos dos 100 máximos, no fim do ano passado. Na outra ponta, está o segmento de construção civil, shoppings e incorporação imobiliária, com 38,9 pontos. A média é de 56,4 pontos. Quanto maior a nota, mais sustentável é. Ambos evoluíram nos últimos anos, mas em ritmos diferentes: o primeiro avançou 18,8%, enquanto o segundo subiu 3,1%.

Na avaliação de Maria Eugênia Buosi, presidente da Resultante, os motivos dessa gritante diferença são história e regulação. “Papel e celulose é um setor que tem empresas muito focadas na agenda de sustentabilidade, como Duratex, Klabin e Suzano, por exemplo. A demanda do exterior por madeira com certificação FSC [Conselho de Manejo Florestal, na sigla em inglês] é um fator naturalmente impulsionador”, explica.

O fato de ter como matéria-prima florestas também ajuda por terem emissões líquidas de carbono negativas, ou seja, captam poluentes em vez de soltar na atmosfera, compensando assim as emissões da planta industrial. Adicionalmente, muitas usam biomassa para geração de energia limpa. “Papel e celulose é, porém, uma exceção. São poucos que conseguem evoluir, mesmo já estando em patamares altos e apontados como referência pelo mercado”, afirma a executiva.

Mas não há como negar que a regulação é um grande acelerador de mudanças. Não à toa, em segundo, terceiro e quarto lugares na lista dos setores mais sustentáveis estão os de tecnologia da informação e telecomunicação, com 68,5 pontos, bancos e serviços financeiros (65,1 pontos) e utilities (energia e saneamento básico), com 61,1 pontos. Enquanto telecom e utilities têm regras e padrões para implementar serviços nas cidades e lidar com as comunidades no entorno, as instituições financeiras estão sendo cada vez mais cobradas para revisarem sua carteira de clientes, além de cuidar da própria operação.

Este ano entraram em vigor seis novas normas do Banco Central que regulam riscos sociais, ambientais e climáticos no Sistema Financeiro Nacional. Entre elas, a obrigatoriedade de divulgação do Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas (Relatório GRSAC) e uma que impede a contratação de crédito rural por quem não respeitar padrões sustentáveis, como estar ilegalmente em áreas desmatadas.

São poucas as empresas que divulgam, por exemplo, um relatório de sustentabilidade estruturado” — Maria Eugênia Buosi, presidente da Resultante

No caso da construção civil e incorporação imobiliária, há um movimento recente para construção de prédios com reúso de água, gestão de resíduos e eficiência energética – o Brasil é um dos principais países do

mundo na certificação Leadership in Energy and Environmental Design (LEED). O setor, porém, é intensivo em consumo de energia – no mundo, estima-se que a construção seja responsável por 38% das emissões de CO2 – e forte gerador de resíduos, e ainda tem a difícil tarefa de controlar a cadeia de fornecimento, que é extensa e com muitos intermediários. Para mudar, é preciso, portanto, de uma boa dose de força de vontade das lideranças e ordens de cima para baixo.

Segundo a Resultante, por ser um setor predominantemente com controle familiar, é preciso que a família esteja engajada no tema para que os princípios sustentáveis permeiem outras camadas da empresa. Além disso, a transparência sobre as ações e evolução ainda é falha.

“São poucas as empresas que divulgam, por exemplo, um relatório de sustentabilidade estruturado”, comenta Buosi. Da amostra analisada pela consultoria, apenas a MRV e a Plano&Plano divulgam um documento que consolida suas ações ESG.

No ranking, a MRV é a líder de construção, ainda que seja a última entre todos os líderes dos 11 setores avaliados. É também a única do setor nas carteiras do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) e do Índice Carbono Eficiente (ICO2 B3) da B3.

Eduardo Fischer, presidente da MRV, diz que a empresa vem investindo, por exemplo, em educação de colaboradores e seus filhos. “Todos os aspectos ESG são importantes, mas em um país como o Brasil, o ‘S’ [social] tem um senso maior de urgência”, afirma. Desde 2014, sua fundação, o Instituto MRV recebe anualmente 1% do lucro da empresa – em 2021, foram direcionados R$ 7 milhões e, ao longo desses anos, mais de R$ 40 milhões. Além disso, a empresa construiu em seus canteiros de obras pequenas escolas para ensinar funcionários a ler e escrever (o analfabetismo funcional ainda é persistente no país). Mais de 4.500 alunos se beneficiaram das aulas, de acordo com o executivo.

Do lado ambiental, a empresa trabalha para ampliar suas fontes de energia renovável de 10% hoje para 80% em cinco anos, e engajar a indústria de fornecedores. “No passado não dávamos tanta importância, mas agora deixamos claro para nossos fornecedores que eles precisam medir e diminuir suas emissões de carbono e impacto negativo. Não será só preço e capacidade técnica que vai pesar na escolha de fornecedores, mas também pegada de carbono”, adiciona.

Lincoln Camarini, líder de research da Resultante, ressalta, porém, que, apesar da evolução notada em construção civil no último ciclo, ainda falta muito para atingir a média.

Um setor que surpreendeu nos últimos anos pela evolução que trilhou foi o de siderurgia e mineração. No ranking setorial, ele é o segundo pior, com 52,1 pontos. Mas foi o grande destaque de evolução entre 2019 e 2021, com um salto de 35,5%. Para Camarini, o que explica a alta é o despertar do setor para a importância da agenda, puxada por CSN e Gerdau, mas seguida pelo setor como um todo.

“São diversas esferas que fazem as empresas desse setor estarem melhores, mas se fosse para destacar uma, seria clima. As companhias, na média, estão olhando para essa temática de forma mais estruturada, trazendo a alta governança para o debate, mapeando riscos, como isso pode impactar o Ebitda [resultado operacional], por exemplo, no curto, médio e longo prazos em diversos cenários desenhados”, comenta Camarini.

Cita ainda que o desempenho dessas empresas nos parâmetros analisados pelo Carbon Disclosure Program (CDP) aumentou bastante. O critério do CDP avalia por notas – de F a A sendo que F é a mais baixa. “A Gerdau, por exemplo, saiu de uma nota ‘F’ para uma nota ‘B’ entre 2019 e 2021. A Vale saiu de uma nota ‘B’ (já alta) para ‘A-’ no mesmo período, enquanto CSN mostra o mesmo comportamento: saiu de ‘D’ em 2019 para ‘B’ em 2021. Já a CBA, que é o nosso ‘benchmark’ [referência] do setor, possui nota ‘A-’, e uma matriz energética predominantemente renovável, através de PCHs [pequenas centrais hidrelétricas] próprias”, explica. “Isso em um cenário de precificação de carbono pode ser uma vantagem competitiva interessante”, completa. Vale ressaltar, porém, que a base de comparação no ranking da Resultante também era muito baixa.

Cenira Nunes, gerente geral de meio ambiente da Gerdau, diz que a evolução se deve a uma preocupação maior com questões como transparência de seus dados, avaliação de risco consistente, iniciativas de redução de emissões implementadas uma governança bem definida para o tema. Em 2020, a empresa passou a publicar seus dados de gases de efeito estufa auditados e trabalha para alcançar a neutralidade de carbono em 2050. “Para seguir avançando na pauta, a Gerdau passou a atrelar indicadores de sustentabilidade, incluindo emissões de gases de efeito estufa, às metas de dos bônus de longo prazo da alta liderança”, conta.

Desde 2021, 20% do plano de Incentivo de Longo Prazo (ILP), que remunera executivos por meio de ações da organização, é calculado com base nas emissões de CO2 e na porcentagem de mulheres em cargos de liderança. “O objetivo é reforçar um ambiente de trabalho comprometido com a evolução de temas de sustentabilidade e levar os temas ambientais, sociais e de governança ainda mais para o centro das tomadas de decisão estratégicas da produtora de aço”, adiciona.

Para fazer o levantamento, a consultoria busca dados quantitativos e qualitativos que estejam disponíveis ao público geral e sejam validados por diversas metodologias internacionais, como indicadores-chave para medir a evolução das empresas. Na questão ambiental, avalia questões como impacto na biodiversidade e desmatamento, emissões de gases poluentes, gestão de resíduos e riscos da mudança climática para o negócio. No âmbito social, analisa relacionamentos das empresas com seus colaboradores, clientes, fornecedores e comunidades, além de notícias sobre escândalos, multas e sanções. Já na governança estão transparência e gestão, composição do conselho e integração da agenda ESG com a estratégia da companhia.

 

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Por Naiara Bertão, Valor Econômico

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